Ebós de Amor- Um capítulo da minha dissertação
6.4. Rede de irmandade de Danda
Esta
é a principal rede de Danda, composta por mulheres que estão a todo o momento
circulando a casa, interferindo no desenrolar do cotidiano e nas obrigações
religiosas, esta rede é composta por oito mulheres fixas, todas negras e
aliadas da mãe de Santo.
Foi
escolhido, para analise, três mulheres desta rede, o critério foi: mais de dez
anos na casa, diversidade geracional e atribuições diferentes na casa. A
primeira será Tais, 25 anos, roda no santo com Oxum, é abiã, bióloga, trabalha
no Jardim Zoológico, vizinha e não possui nenhuma relação consanguínea com a
mãe de santo.
Taís
tem alguns dotes que são usufruídos nas festas do erê e do caboclo, esta sabe
fazer bolos confeitados, doces personalizados, lembranças, decorar o espaço e
costurar. A maioria das festas ela sempre organiza e seleciona quem poderá
ajudar, prefere sempre trabalhar sozinha, contudo como sempre está ocupada em
outras funções precisa distribuir tarefas.
Esta
sofre bastante por rodar no santo e resisti o quanto pode para não incorporar,
para ela:
Incorporar é
estranho, você nunca sabe o que está fazendo com você, eu também fico achando
que vão olhar minha barriga ou que vão reparar meus defeitos. Eu gosto mesmo é
de ver a festa, de curtir as coisas, eu incorporodesde pequena, minha mãe diz
que é louca pelo meu erê, porque ela ajuda muito, vive dando conselhos, mas do
que gosto mesmo? É de ver os outros incorporando para ficar pedindo as coisas.
Ajudo Danda, no que posso, dou o mundo por ela, ela prendeu meu orixá, Deus é
mais! (Relatório de campo, abril de 2010).
Neste
dia da entrevista Oxum chegou e veio me abraçar e o erê dela conversou comigo,
no final da entrevista ela se mostrou bastante feliz, pelo fato das entidades
estarem apoiando a pesquisa. Há uma dubiedade de não desejar incorporar e ficar
feliz por estas terem vindo apoiar meus estudos, por isso, Taís se sente
convicta na sua estrada religiosa, afirma que irá fazer o santo com Danda, mas
que não será agora precisa primeiro arranjar um namorado, casar e ter filhos.
Ela costuma pedir trabalhos com renumerações maiores, ela não aprova fazer ebós
de amor, mas sempre pede a Azulão um namorado rico e com carro, Danda afirma
que:
Taís é um ouro
em minha vida, nunca gastei um real com bolo ou doces ou decoração, ela ajuda,
deixa trabalho, deixa estudo e vem para cá, eu quero que ela seja feliz e tenha
muito dinheiro, porque é uma pessoa que não tem besteira, mas eu acho que Azulão
nunca vai dar o namorado para ela, pois quando mulher arranja homem, esquece-se
de tudo. O que me conforta é que ela é feia, mas é boa, muito boa(Relatório de
campo, abril de 2010).
O
grande apreço de Taís é Azulão, costuma estar sempre presente e quando não está
ou se esquece ele chama, totalmente diferente de Telma, sua tia, uma mulher de
49 anos, dona de lanchonete, separada e apaixonada por Boiadeiro. Esta conhece
Danda desde a adolescência, já ajudava a vender acarajé e sempre arranjava
clientes.
Telma
está presente nas sessões de caboclo e no dia a dia de Danda, sempre leva
lanches e almoço para ela, costuma levá-la para praia, festas e cinema. Ela
sempre briga com os clientes que não gostam de pagar e com os parentes
consanguíneos da mãe de santo, que segundo ela, não ajuda em nada para o
sustento da casa, mas quando aparece é para pedir dinheiro, comida ou lugar
para dormir.
Ela
sofre muito por conta da separação, o marido a abandonou depois de vinte de
anos de casamento, ela afirma:
Eu sofri muito
quando Miguel me largou, ele me deixou do nada, eu era uma mulher para ele,
nunca trabalhei na vida, ele me larga sem pensão, sem nada, me arrependi de não
ter tido filho, era para eu ter parido, assim quem sabe ele ficaria comigo? E
agora que estou velha? Me largou e esta morando coma vizinha, mas tenho fé em
Boiadeiro que ele a de me pagar, tudo, com tudo corrigido, uma humilhação na
rua, hoje tenho minha lanchonete que o Velho arranjou para mim, posso dormir
sossegada, não largo Danda por nada.(Relatório de campo, abril de 2010).
Telma acredita ter um compromisso eterno com
a mãe de santo, pois ela conseguiu o espaço da lanchonete sem custo e em um
local movimentado, contudo ainda falta à vida amorosa, não costuma fazer os
ebós de amor, pois ela tem medo de se arrepender, contudo coloca o nome no mel,
pede a Boiadeiro que ele volte e sempre pergunta se ele ainda gosta dela.
Ela é muito importante na vida
de Danda, não nos momentos de rituais religiosos, mas no cotidiano da mesma,
apoia com alimentos, remédios para coluna, levando ao médico, com conselhos e
levando para sair, da mesma forma que Laís, contudo está faz inúmeros ebós de
amor.
Laís
é técnica de enfermagem, 33 anos, equede suspensa, namora com um homem casado a
quase oito anos e costuma padecer com as promessas deste namorado já
compromissado. Este sempre promete que vai terminar com a esposa, mas fica numa
situação difícil, pois a mulher teve um derrame e está imobilizada na cama, na
perspectiva de Laís:
Ele é casado eu
sei, não deveria estar com ele, mas agente se ama, Boiadeiro disse que ele
gosta de mim, quando eu fiquei grávida ele queria ter o filho, eu que não quis,
tirei logo para não sofrer com criança sem pai, como eu fui. Eu sofro viu? E
não sou puta não? Sou mulher de um homem só, sou apenas dele por todos estes
oito anos, eu sofro muito, às vezes peço para mulher morrer logo para não
sofrer na cama, mas acho que isso é egoísmo né? O que você acha? Eu o mereço? O
jogo diz que tudo está aberto, e está?(Relatório de campo, abril de 2010).
A
dúvida dela, não interfere na fé que tem Boiadeiro, sempre presente nas
sessões, festas, ajuda como pode, seja lavando banheiro, limpando casa,
contribuindo com dinheiro ou com alimentos. Todos os dias antes do trabalho vai
falar com Danda e prosear sobre a vida, faz trabalhos de amor quase toda semana
e sonha no casamento na igreja e nos filhos.
Estas
três mulheres marcam a rede de irmandade de Danda, por serem assíduas e estarem
para além dos afazeres de religiosas, são aliadas no dia a dia, são pessoas que
a mãe de santo pode contar para inúmeros assuntos, e que em troca exigi apenas
uma amizade no formato de irmandade.
6.4. As demandas e saídas
Há
na rede de Danda uma particularidade em comum, visível desde minha primeira
visita: as demandas de problemas e a necessidade de soluções rápidas e práticas
por parte de Danda ou suas entidades. Todos naquela casa trouxeram em algum
momento alguma demanda e contaram com a ajuda direta ou indireta da mãe de
santo.
As
demandas das mulheres normalmente são: desavenças familiares, vizinhos
inoportunos, filhos problemáticos, desemprego, problema com saúde, fofocas,
separações, traições, violência domésticas, entre outros problemas conjugais.
Com os homens, concentram-se problemas com drogas ou bebidas, desemprego ou
trabalho que não paga o que eles consideram justo e algumas vezes problemas
conjugais.
Quanto
ao grupo religioso, temos os que são evangélicos, os filhos de santo, os
católicos, espíritas e os que não frequentam nada, mas todos quando estão lá
seguem as ordens de Danda e respeita incontestavelmente as suas entidades,
sejam ricos ou pobres. Todos querem contribuir de alguma forma. E ela de forma
sábia determina que os mais abastados contribuam com dinheiro e os que não têm
tantos dotes financeiros possam contribuir com a mão de obra, desde serviços
domésticos a despacho de ebós. Iremos apresentar duas grandes demandas: os ebós
de amor, levando em conta o processo e não exatamente a eficácia e a adoção de
crianças.
O
forte da casa de Danda, como diz sua irmã Flor, são os ebós de amor. Para estes
trabalhos, ela possui clientes na Itália, Rio de Janeiro, Sergipe, e em muitos
bairros de Salvador. Para Flor:
Danda é um ser
mágico, seres mágicos fazem isso trazem amor. Trazer amor é tirar de quem não
merece e dar a quem merece. Se uma pessoa vem fazer ebó de amor significa que
esta pessoa merece, pois ela esta disposta a tudo, inclusive entregar sua alma
a Exú. Agora Danda só faz trabalho se a pessoa merecer, se ela perceber que a
pessoa não merece ou que só está fazendo por vingança ela não faz. Ela é uma
grande mulher. (Relatório de campo, junho de 2010).
Em
uma de nossas conversas Danda pergunta o que achava dos ebós de amor. Nunca
tive coragem de falar o que eu realmente penso, não queria impor os meus
valores, achava aquilo um absurdo, pois a pessoa não voltava por livre
arbítrio, uma pessoa que não vem com as próprias pernas não é interessante,
entretanto na época respondi “que a pessoa faz aquilo que é melhor para o coração,
e em determinadas situações as pessoas nem pensavam direito”. Ela deu risada e
afirmou:
Quem bem pensa é
quem faz ebós de amor, sabe que são trabalhos caros e que demora muito para dar
certo, são pessoas frias e calculistas. Você quer ver dar certo? Faça um Ebó
para maldade, num instante a pessoa morre, fica doente, perde emprego. Agora
ebó de amor, é para matar quem está fazendo, pois esta pessoa sofre, chora,
sofre, chora, mas também quando consegue só faltam me dar o mundo. (Relatório
de campo, março de 2009).
Entretanto,
em outra conversa, perguntei o porquê dela não fazer para ela os ditos ebós,
afinal todo mundo sempre soube que ela era apaixonada por um rapaz, e ela tinha
inclusive uma tatuagem com o nome dele na perna, além de não ficar com outros
homens. Ela de forma muito desembaraçada fala: “Não quero nada pela metade”.
Interessante, pois, por mais que ela fizesse os trabalhos e que muitas mulheres
chegassem à casa dela felizes falando que deu certo, ela não fazia ebós para
fins próprios, ela como toda pessoa com experiência não queria pagar uma conta
alta por amor.
6.4.1. Ebós de amor
Como
afirmei acima, os ebós de amor são o carro chefe da casa de Danda, por isso,
poderia aqui trazer uma infinidade de histórias, contudo escolhi uma única
pessoa, para uma melhor compreensão desse tipo de trabalho. De todas as
histórias, eu vou relatar a de Brisa, pois a acompanhei desde o primeiro ebó.
Ela é uma jovem de 30 anos, universitária, professora do ensino médio, muito
discreta e sempre cabisbaixa, que frequentava a casa de Danda, desde quando
tinha 15 anos e nunca pediu nada, apenas para ajudar nas sessões, festas ou nos
serviços domésticos, até o dia em que ela apareceu chorando e comoveu toda a
casa.
No
dia em que Brisa apareceu chorando, todos acharam estranho, inclusive eu, que
sempre a lembrava como uma pessoa contida, serena e com um leve sorriso no
rosto. Neste dia ela apareceu mais magra, com a blusa pelo avesso, com o cabelo
embaraçado, com odor, pois não tomava banho e com os olhos inchados de tanto
chorar. Danda a levou para o quarto, escutou tudo que ela tinha para dizer, deu
todo carinho e garantiu que ele iria voltar.
Quando
elas retornaram para sala, todos estavam ansiosos para saber o que estava
acontecendo, Danda então começa a explicar que o ex-namorado dela a largou e
não queria nem mais olhar para o rosto dela, que ela tentou de todas as formas
voltar e que ele não quis, ela estava ali pedindo desesperadamente ajuda, e,
como em todos os casos, D’Mãe iria ajudar e todos os presentes deram a palavra
que iria também apoiar.
Brisa
não tinha dinheiro e temia que a família ou que ele descobrisse os ebos que por
ventura ela iria fazer, não acreditava nos trabalhos para amor e considerava
aquilo tudo loucura e egoísmo, todavia aceitou fazer os ebos porque acreditava
que o ex-namorado foi embora porque outra mulher havia confundido a cabeça dele
e pontuava que ele precisava dela para ser feliz:
Eu não apoio
estas coisas, já muita mulher fazendo e não deu certo, mas quando é para tirar
da gente no instante dar certo, eu não entendo isso, maldade é rápido e amor
demora, acho o mundo tão injusto. O rixa deveria ver isso, mas eu tenho fé que
eles estarão por fim e com fé em Deus, os orixás e Danda, ele vai voltar,
porque eu não sou pior que ninguém.(Relatório de campo, junho de 2010).
O
primeiro ebó foi feito logo naquele dia: ela escreveu com lápis de madeira o
nome todo do rapaz sete vezes e o nome dela por cima sete vezes e logo abaixo o
endereço dela, depois colocou numa vasilha de cerâmica, com milho branco e mel
e posteriormente arriou no quarto para Oxum. Isso para que ele melhorasse e
voltasse de forma doce. De forma discreta, perguntei o que tinha realmente
acontecido para começar esta ojeriza deste rapaz, ela respondeu que depois de
um tempo de relacionamento e ela sempre muito firme com ele sem querer namorar
sério, ele resolveu desistir, namorar outra mulher e não queria mais atender a
ligação e nem olhar o rosto dela. Brisa então começou a chorar compulsoriamente
e as perguntas foram cessadas.
Na
segunda semana, ela aparece e nada resolvido, nem uma ligação. Danda então
afirma que agora ele iria comer ebó. Começam-se então pelos leves, o primeiro da
semana passada foi com milho não teve efeito, teriam que começar pelos
trabalhos com as folhas, compraram então uma folha chamada Juiz de Paz, um par
de alianças, colocaram o nome deles dentro da vasilha, as folhas por cima e
mel, não teve efeito.
Brisa
sumiu e todos acreditaram que ela teria desistido, na quarta semana retorna e
faz outro ebós, desta vez com o coração da banana: abre o coração da banana
coloca os nomes, coloca mel e depois amarra com várias fitas coloridas, vai
pedindo para pessoa voltar e coloca na lagoa do Abaeté, mas isto ainda não
havia tido efeito.
D’Mãe
afirma que Brisa precisava se acalmar, as coisas estão só começando, afinal ela
ainda estava fazendo os ebós leves, não poderia ficar transtornada daquele
jeito. A cada ebó feito que ela não visse resultado ficava pior, chorava mais,
não comia, parecia às vezes que iria morrer, “desta forma quando o amado
chegasse só iria encontrar uma pessoa feia e sem expectativa de romance”, fala
um pouco chateada Danda.
Ela
percebendo o grau de tristeza da garota começou a passar banhos, assim ela iria
se fortalecer. Na sexta semana, a mãe de santo partiu para os ebós mais
pesados, um deles é com uma corda. Brisa vai dando nós e entre estes nós coloca
os papéis com os nomes, a cada amarração, ela precisava dizer; “Estou amarrando
esta corda, como estou te amarrando”, depois coloca em uma panela de barro e
arria aos pés de Obaluaê. Neste mesmo dia, foi feito o ebó do melão, em que
coloca o melão na vasilha cheia de milho branco, corta o melão na parte
superior e depois coloca os nomes, mel e depois milho branco com água de flor
por cima, o melão representa a cabeça do amado, posteriormente precisa ser
arriado em um jardim, e assim foi feito.
A
mãe de santo explica que agora precisa deixar os ebós fazerem efeito, são
semanas fazendo trabalhos, precisa que o rapaz sinta os ebós, para ela:
A pessoa que faz
ebó de amor precisa ter calma. Tem uma pessoa aqui que tem quase quatro anos
fazendo ebós, mas conseguiu, além de que é muito dinheiro. Não é assim não, faz
resolve, não é no nosso tempo, é no tempo dos Orixás. Brisa também tem que
entender que este rapaz é de Xangô, e gente de Xangô Deus é mais, é forte que é
uma miséria, para um ebó de amor atingir um filho de Xangô, é tempo e muito
tempo, você tem que pedir muito a Oxum e muito a Iansã. Eles são cabeças duras,
são os donos do poder, quando eles falam ninguém pode falar, quando eles
decidem não mudam de ideia. E outra coisa, quando mais você faz ebó, mais você
fica apaixonada, ali ela vai enlouquecer, porque a primeira a sentir os efeitos
do ebó é ela, e se não fosse verdade o que estou fazendo ela não sentiria os
efeitos primeiros. (Relatório de campo, abril de 2012).
Contudo,
todos na casatorcíamos muito para que o amado dela retornasse e que ele fizesse
uma bendita ligação e se mostrasse arrependido. Logicamente, eu tentava não
interferir tanto e nem dar opiniões, mas vez por outra ajudava nos ebós dela,
bem como a cuidar de sua estética, fazendo cabelo, entre outras coisas. Parecia
que a história dela mexeu com todo mundo. Quando alguém chegava a casa
perguntava: E aí? O cara ligou? As repostas, infelizmente, sempre eram
negativas. Depois de oito semanas, Danda resolveu sair das frutas e folhas, já
tinha passado pelos leves com mel e milho branco, depois pelos mais pesados com
frutas e agora iríamos “esquentar o juízo dele”, seriam os ebós quentes.
O
primeiro ebó quente feito foi com os bonecos de panos: ela abraça dois bonecos,
estes tinham no topo da cabeça a foto dela e do amado, amarra com fitas
coloridas, coloca-os em um alguidar, arria aos pés de Exú e pede para que
aqueles bonecos simbolizem o amor dos dois, depois disso joga álcool e queima e
pede para que aquele fogo que arde seja o amor que vai arder no amado de Brisa
e que ele não tenha forças para se separar dela.
Neste
dia Brisa fica desesperada, diz que está sentindo esquentar por dentro, que
está com medo. Danda afirma que é assim mesmo, o ebó faz efeito primeiro na
pessoa que faz, mas ainda não fez nele. Na décima primeira semana, é feito o
ebó da vagina da vaca em que se compra uma vagina da vaca, que é caríssima e
muito difícil de encontrar, e um pênis de gesso. Coloca o nome de Brisa dentro
da vagina e o nome do amado dela no pênis, depois enfia na vagina azougue,
algumas folhas, milho branco e mel. Depois enfia o pênis de gesso e pede para
que o amado só pense em ir transar com ela, este trabalho tem que ser repetido
por três vezes, e assim a cliente chorosa o faz.
Todavia,
nenhuma ligação e nem sinal do amado, e Brisa afirma que já não bastava amar,
agora só pensa em transar:
Lisa, não
aguento mais, todo dia penso nele, todo dia quero ele, eu deixei de estudar, eu
deixei de trabalhar, eu deixei de limpar casa, menina eu já me peguei me
masturbando no banheiro pensando nele, transando com outras pessoas pensando
nele, você não acha que preciso de psicólogo? (Afirmo que sim, sempre achei que
ela estava no estado avançado de depressão) Então eu vou procurar, preciso ser
forte, tenho Orixá também poxa, só ele que é forte? Que tem Orixá retado? Eu
também tenho. (Relatório de campo, junho de 2012).
Depois
deste dia, ela decidiu procurar o psicólogo e já estávamos percebendo uma
diferença no rendimento dela: na faculdade e no trabalho. Brisa já ia fazer o
trabalho com esperanças renovadas, estava engordando e mais corada, mesmo não
tendo recebido uma só ligação.
Na
décima quinta semana, depois do último ebó da vagina da vaca, Danda fica
retada, briga com os Exús e pergunta se eles estão malucos, afinal já estava
fazendo ela passar vergonha, parecia até que este homem era mais forte que eles.
Ela então resolve pedir ajuda a Boiadeiro, ele então recomenda que ela faça o
do miolo do boi, que era também difícil de encontrar e um pouco mais caro. Este
trabalho também é feito com azougue[1],
mel e algumas folhas, coloca dentro do miolo só o nome do amado, pois é um
trabalho para ele correr louco atrás dela, e se ela esquecer e colocar o nome
dela pode correr maluca. Este também tem que ser feito três vezes. Neste
intervalo, ela também arria galo e galinha para os Exús e Padilhas, vai à rua
despachar e com muita fé pede a Exú que dê seu homem de volta, em troca ela o
fará muito feliz e sempre dará a eles cigarros e bebidas.
Depois
de meses, quase chegando à décima nona semana, estávamos todos cansados, sem
esperanças e irritados. Azulão já tinha feito as promessas e dito que queria
“escorrega” quando ele voltasse, Boiadeiro também pediu a caixa de espumosa,
quando estivessem os dois juntos, todavia nada acontecia e estávamos exausto de
tudo. Ela decide fazer o ultimo ebó que seria com os olhos do bode, mas este não
pudemos ver, só depois que Danda entregou um pacote e mandou que ela fosse
enterrar do lado de fora nas plantas, enquanto ela enterrava, chorava e dizia:
“Este é o último ebó que faço para você, estou cansada”. E começou a chorar,
Brisa neste processo já tinha muita fé e seguiu até ali alimentando dentro dela
este amor e a crença pelos Orixás, mas desistiu do amado que nunca vinha. Eu
nunca mais a vi, mas eu tive certeza naquele nosso último encontro, que ela
ficaria bem, com ou sem o amado, era uma garota forte e precisava seguir.
Danda
estava desgastada, ela acabava se envolvendo com a história e torcia muito que
tudo desse certo, afirmava que o que aconteceu na vida de Brisa foi uma
tragédia e que a menina não merecia isso, mas que bom que ela estava mais
firme. E para ela, ebó é assim mesmo, é no tempo dos Orixás e não é no nosso
tempo, porque havia uma única certeza de que Exú adorava uma safadeza, uma
molequeira, que aquele rapaz quando a quisesse, ela estaria refeita, então no
meio das nossas conversas pedi para cantar uma música e vou encerrar está
história com ela, que significa muito na vida dessas mulheres que amam e não
são correspondidas:
Quando
você me quiser rever/Já vai me encontrar refeita, pode crer./Olhos nos
olhos,quero ver o que você faz./Ao sentir que sem
você eu passo bem demais... (Olhos nos olhos, Chico Buarque)
Que
Brisa e todas as mulheres que acompanhei, passo a passo nestes ebós, estejam
refeitas e felizes. Quando Danda olhava para mim e ficava triste porque os
ditos amados não ligavam ou não faziam o que elas achavam que era certo, eu
sabia que a eficácia do trabalho estava nelas se manterem juntas, conversando,
dando risadas e se perguntando quem iria lavar os pratos na pia e assim
caminhamos.
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