Desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem do portador de síndrome de Down: revendo concepções e perspectivas educacionais



Resenha.

Desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem do portador de síndrome de Down: revendo concepções e perspectivas educacionais

Maria Luísa Bissoto

Por: Elisia Santos



A Síndrome de Down se caracteriza, em sua etiologia, por ser uma alteração na divisão cromossômica usual, resultando na triplicação – ao invés da duplicação - do material genético referente ao cromossomo 21. A causa dessa alteração ainda não é conhecida, mas sabe-se que ela pode ocorrer de três modos diferentes. Em 96% dos casos, essa trissomia se apresenta por uma não-disjunção cromossômica total: conforme o feto se desenvolve, todas as células acabam por assumir um cromossomo 21 extra. Em cerca de 4% dos casos, entretanto, ou os portadores não têm todas as células afetadas pela trissomia, sendo denominados como casos “mosaico” (entre 0,5 – 1%), ou desenvolvem a síndrome de Down por translocação gênica (entre 3,0 – 3,5%), caso em que parte ou todo o cromossomo 21 extra se encontra ligado a um outro cromossomo, geralmente o cromossomo 14.

Buckley e Bird (1994) levantam várias características relevantes quanto ao desenvolvimento cognitivo e lingüístico da criança portadora de síndrome de Down em seus primeiros cinco anos de vida, aqui sumarizadas:

• O atraso no desenvolvimento da linguagem, o menor reconhecimento das regras gramaticais e sintáticas da língua, bem como as dificuldades na produção da fala  apresentados por essas crianças resultam em que apresentem um vocabulário mais reduzido, o que, freqüentemente, faz com que essas crianças não consigam se expressar na mesma medida em que compreendem o que é falado, levando-as a serem subestimadas em termos de desenvolvimento cognitivo.





•Maior dificuldade ao usar os recursos da linguagem para pensar, raciocinar e relembrar informações.

•Uma capacidade de memória auditiva de curto-prazo mais breve, o que dificulta o acompanhamento de instruções faladas, especialmente se elas envolvem múltiplas informações ou ordens/orientações consecutivas. Essa dificuldade pode, entretanto, ser minimizada se essas instruções forem acompanhadas por gestos ou figuras que se refiram às instruções dadas.

•As crianças portadoras de Síndrome de Down se beneficiarão de recursos de ensino que utilizem suporte visual para trabalhar as informações.

•  É imprescindível que às crianças portadoras de Síndrome de Down seja dada toda a oportunidade de mostrar que compreendem o que lhes foi dito/ensinado, mesmo que isso seja feito através de respostas motoras como apontar e gesticular, se ela não for capaz de fazê-lo exclusivamente de forma oralizada.

Bower e Hayes (1994: 49) alertam para as repercussões desses achados na escolarização dos portadores de Síndrome de Down:

“Este estudo tem algumas implicações práticas para crianças, adolescentes e adultos com Síndrome de Down e tem enfatizado que crianças com Síndrome de Down têm necessidades educacionais relacionadas às dificuldades específicas que elas apresentam na área de processamento da memória de curto-prazo, e conseqüentemente no desenvolvimento da linguagem expressiva e receptiva. Esses achados são importantes para pais, educadores, terapeutas e pesquisadores ligados ao desenvolvimento continuado das pessoas com Síndrome de Down.”

Caycho e colaboradores (1991) investigaram a cognição matemática do portador de Síndrome de Down, principalmente quanto à habilidade para contar, concluindo que o portador de Síndrome de Down é capaz, sim, de desenvolver princípios cognitivos de contagem, estando o nível de complexidade dessa habilidade mais relacionada a comportamentos envolvendo esses princípios, do que a limitações impostas pela base genética da síndrome; discordando de resultados anteriormente apontados por Gelman, em 1988. Outras investigações também têm posto a relação entre dificuldades na cognição matemática e especificidades “estruturais” da síndrome em xeque (Nye et al. , 2001). Estes pesquisadores apontam resultados de pesquisas que relacionam dificuldades no raciocínio lógico-matemático, principalmente à habilidade de aprender a contar, há uma defasagem na linguagem receptiva, na qual estão envolvidas a memória e o processamento auditivo de informações.

Considerações adicionais quanto aos processos cognitivos das crianças portadoras de Síndrome de Down, agora relacionadas aos estilos de aprendizagem e à motivação para o aprendizado, são encontradas em Wishart (1996, 2001). Ela sugere evidências de que, de forma geral, podem-se observar três características centrais nos processos espontâneos de aprendizagem dessas crianças:

•  Um crescente uso de estratégias de “fuga”, quando confrontadas com a aprendizagem de novas habilidades,

•  Uma crescente relutância para tomar a iniciativa em situações de aprendizagem,

•  Uma sobre-dependência de outros ou uma má utilização de habilidades sociais. Foreman e Crews afirmam que o uso interligado de sinais (imagens/gestos) associados à fala, na comunicação com crianças portadoras de Síndrome de Down que ainda não desenvolveram a linguagem (bebês e crianças até 03 anos), pode reduzir as dificuldades de comunicação encontradas por essas crianças mais tarde, melhorando o padrão da fala e o conteúdo da linguagem.

Buckley e Bird (1994, cap. 4), discutem várias formas de impulsionar o aprendizado matemático do portador de Síndrome de Down, considerando principalmente relevantes a utilização/ensino interdisciplinar (tanto em relação aos professores e pais, quanto em relação aos terapeutas) de vocabulário matemático, como por exemplo, aquele relacionado a medidas, volume, comparações, quantidade, ações – ponha mais um, quantas vezes você jogou...- e o uso de suportes para manter presente e recuperar a informação, tais como ábaco, quadros numerados, cartões com quantidade/numeral em relevo, números de borracha/plástico, objetos de contagem, computador, entre outros.

Concluindo que os portadores de Síndrome de Down devem se desenvolver da mesma maneira, com limitações de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo, assim como de habilidades sociais e de peculiaridades comportamentais, até agora “conhecidas”.

Entretanto, vários estudos contrabalançam essa tendência, apontando que o desenvolvimento do indivíduo portador de Síndrome de Down é, tanto quanto o de qualquer não portador, resultante de influências sociais, culturais e genéticas; incluindo-se aí as expectativas havidas em relação às suas potencialidades e capacidades e os aspectos afetivo-emocionais da aprendizagem. Deve-se então observar que, muito embora os portadores de Síndrome de Down apresentem características peculiares de desenvolvimento, isso não se constitui numa uniformidade a predizer comportamentos e potencialidades. Mesmo do ponto de vista genético é preciso lembrar, como alerta Jackson-Cook (1996), que o portador de Síndrome de Down também possui 22 outros pares de cromossomos, que lhe conferem um pool de diversidade.

A ação educacional ou terapêutica adotada em relação ao portador de Síndrome de Down precisa levar em consideração a concepção de que há necessidades educacionais próprias de aprendizagem relacionadas a especificidades resultantes da síndrome, que devem ser investigadas, reconhecidas e trabalhadas através de técnicas apropriadas, sendo importante a adoção de uma diversidade de recursos instrucionais – e de outras compreensões do tempo/espaço escolar e pedagógico – de maneira a propiciar que as informações sejam mais efetivamente compreendidas/interpretadas. Por outro lado, as ações educacionais e terapêuticas devem também se levar em conta o entendimento de que cada portador de Síndrome de Down possui um processo de desenvolvimento particular, fruto de condições genéticas e sócio-históricas próprias. As políticas de Educação Inclusiva 4 também encontram raízes e justificativas nessa idéia.

Acredita-se que o desenvolvimento cognitivo do portador de Síndrome de Down será tão mais efetivo quanto menor forem os estereótipos a limitarem as concepções que se tem desse.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A união do rebanho faz o leão ir dormir com fome. (Provérbio africano)

Avaliações diagnósticas- Ética e Cidadania- Fundamental. Professora: Lis Santos

ESTRUTURA DO PROJETO DE PESQUISA