As doações não precisam ser mútuas.

A vida é um eterno doar e receber, contudo ficamos muitas vezes, se interrogando o porquê de não ter reciprocidade como temos boas ações, e o peso é ainda maior para nós mulheres negras.
Para o antropólogo Marcel Mauss, a vida social é pautada num eterno ciclo de "dar-e-receber", onde o "retribuir" constitui elemento de ligação entre o início e o fim deste ciclo, permitindo um eterno contornar, fazendo emergir relações de dádiva e, sobretudo, de aliança. Deverás no meu processo de escuta de mulheres negras e suas histórias de amor, percebo que as redes e relações que deveria ser traçada pelas mulheres negras é uma linha que é quebrada com qualquer vento.
Ao assistir o Poderoso Chefão, dom Corleone afirma que mais importante que ter dinheiro é ter redes, relações e amigos, e quando esta rede negra não é costurada? Onde fica a história de um puxa o outro?
É importante afirmar que nenhuma doação seria desinteressada, não há nenhuma imaturidade em saber o que se faz, há sempre um propósito associado ao ato de dar que, por sua vez, está associado à expectativa da retribuição, seja qual expectativa for (até uma simples reação do receptor para um imediato prazer do doador). Entretanto a reciprocidade não faz parte das nossas vidas.
A máxima cristã de dar sem esperar nada em troca é uma falácia que nem eles comungam. Esta ideologia do sacrifício e da abnegação de si, não é real, aproximando muito mais o entendimento das relações sociais às experiências reais e cotidianas do que a motivações ideológicas e mistificadas. E quando damos algo, necessitamos conhecer um pouco do receptor, entender aspectos de sua subjetividade de forma a predizer ou avaliar os potenciais efeitos do ato de dar (já que não há doação descompromissada, como dito).
Ainda, quando damos, sempre damos algo de nós, pois aquilo (material ou imaterial) que se dá carrega, inevitavelmente, traços de nossas subjetividades, escolhas, paradigmas, visões, sobretudo, sobre o outro a quem se doa. Desta forma, quem recebe, recebe também um tanto do doador, um tanto que transcende a mera dimensão individual, trazendo consigo uma bagagem de sua construção moral/cultural.
Este "dar-e-receber" constitui, como disse Mauss, numa verdadeira "aproximação de almas", não simplesmente almas dos indivíduos, mas "almas morais". Esta aproximação de almas, quando mantidas e estreitadas por subsequentes relações de retribuição e generosidade, podem gerar vínculos muito fortes numa outra lógica que não a pautada nas relações de posse-dependência, comando-obediência, de dominação através da mediação com o transcendente.
Como bem disse Marcos Lanna, Mauss nos ensina algo absolutamente fundamental: a felicidade humana não está em outra parte que não no dar e receber, “no respeito mútuo e na generosidade recíproca”. Tudo me leva a crer que não é a felicidade uma dádiva, mas sim a dádiva um caminho para a felicidade!
Por fim, utilizando da mesma lógica descrita por Bakunin para falar sobre a liberdade, a dádiva é inerentemente fruto de relações, serei tão mais feliz o quanto felizes forem as pessoas que me cercam e, quanto mais extensa e ampla forem as suas felicidades, maior e mais profunda será a minha, seguindo com a dupla identidade racial e de gênero, não exibindo a troca.

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