1ª SEMANA - CONHECER O CONCEITO DE TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL E OS DIREITOS DOS TRABALHADORES RESGATADOS
1. Histórico da Legislação Internacional e Nacional.
O que é o trabalho escravo? Vamos começar por um fato histórico, em 13
de maio de 1888 foi formalmente abolida a escravidão no Brasil, contudo não
aconteceu uma transformação na mentalidade e do comportamento escravocrata,
assim como a vida do ex-escravo não melhorou de fato.
É importante fazer algumas considerações acerca da abolição/não-abolição
da escravatura no Brasil, façamos um retrospecto da legislação internacional
sobre a temática:
·
A Convenção das Nações Unidas sobre escravatura de
1926 traz no seu artigo 1°: Escravidão é o estado e a condição de um
indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, alguns ou todos os
atributos do direito de propriedade.
·
A Convenção Suplementar sobre Abolição da
Escravatura, do Tráfego de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à
Escravatura, da ONU, o ano de 1956, conceitua a Servidão por Dívida como “o
estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido
a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém
sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente
avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for
limitada nem sua natureza definida.”
·
No período pós-guerra, acendeu-se a luz dos Direitos
Humanos, com a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948, donde
se extrai no art. 4° que “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão.
A escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” e
do Art. 5° que “Ninguém será submetido a tortura, nem a
castigo cruel, desumano ou degradante”.
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Em 1969 foi editada a Convenção Americana sobre
Direito Humanos, rezando no art. 6° a “Proibição da escravidão ou a
servidão. 1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto
estas, como o trafico de escravos, como o tráfico de mulheres são proibidos em
todas as suas formas”.
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As importantíssimas Convenções da OIT sobre o
assunto são a n°. 29, de 1930, que firma no seu art. 2°: “Para os fins da
presente convenção, a expressão trabalho forçado ou obrigatório, designará todo
trabalho ou serviço exigido de um indivíduo, sob ameaça de qualquer qualidade,
e para o qual ele não de ofereceu de espontânea vontade”.
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E a nº 105, de 1957, relativa à Abolição do
Trabalho Forçado, que reza no art 1º: “Todo País-membro da Organização
Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir
toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso: a) como
medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar
opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema
político, social e econômico vigente; b) como método de mobilização e de
utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como meio
de disciplinar a mão-de-obra; d) como punição por participação em greves; e)
como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa”.
·
Diante do quadro de enfrentamento do trabalho
escravo pelo país, a OIT concedeu especial destaque ao Brasil na referida
Conferência, sendo incluída como ponto de pauta pelo Conselho de Administração
da OIT, tal proposta de complementação normativa da Convenção n. º 29, sobre o
trabalho forçado, de 1930, para "preencher as lacunas na implementação e
reforçar as medidas prevenção, proteção e compensação das vítimas, a fim de
conseguir a eliminação do trabalho forçado, para a adoção de um Protocolo e/ou
Recomendação", o que restou concretizado, portanto.
·
Após os trabalhos na mencionada Convenção, foi
aprovada em 11 de junho de 2014 novo Protocolo da OIT sobre Trabalho Forçado e
Obrigatório, que atualiza e avança sobre a Convenção 29, bem como a
importantíssima Recomendação que lhe acede, esclarecendo o Procurador Geral do
Trabalho à época:“O novo texto está em sintonia com diversos conceitos que
vimos defendendo, tais como dumping social decorrente da superexploração do
trabalhador, inclusive em nível internacional; garantia de direitos
fundamentais trabalhistas a migrantes indocumentados em situação de superexploração
(o que pode ser encarado, inclusive, como medida de combate à procura por este
tipo de mão de obra em situação de marginalidade); combate ao tráfico de
pessoas; abrangência da escravidão sexual no contexto do trabalho forçado;
envolvimento do detentor do poder econômico relevante em uma cadeia produtiva
pelas intercorrências precarizantes nela verificadas, etc. Acreditamos que uma
nova etapa do Direito do Trabalho se inicia; ao se reconhecer a necessidade de
envolvimento das grandes corporações nas questões trabalhistas ocorridas em
suas cadeias, ganhamos efetividade. Colegas que atuam com garimpo terão novas
ferramentas para envolver as redes de varejo de jóias; na costura, as grandes
Grifes; nas carvoarias, as Siderúrgicas. E se porventura este beneficiário da
superexploração substituir sua produção por importação de países onde as leis
são frouxas? Então, deveremos construir linhas de combate ao dumping em nível
mundial.”
·
O Protocolo de Palermo representa o principal
diploma internacional, ratificado no país pelo Decreto 5.077/2004, sobre
Tráfico de Pessoas, definindo-o da seguinte forma:“o recrutamento, o
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,
recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à
entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de
uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração”
Portanto,
a exploração de uma situação de
vulnerabilidade pode caracterizar o Tráfico de Pessoas. Aproveitar-se da
miséria, da situação de apatia frente ao mercado de trabalho dos cidadãos
desempregados ou subempregados, da ingenuidade do homem rústico, da esperança
de conseguir uma melhor posição social, é explorar uma situação de
vulnerabilidade, é traficar de pessoas, é um dos elementos do trabalho escravo
quando há o aliciamento de mão-de-obra.
Quando se pensa em Brasil temos a Constituição
Federal que são fundamentos da república (art. 1º) a dignidade da pessoa
humana e fundamentos sociais de trabalho, elecando, ainda, como direitos
fundamentais (art. 5°), a proibição de tratamento desumano ou degradante e
a função social da propriedade, ditando-se, ainda, que a ordem econômica (art.
170) tem que ser fundada na valorização social do trabalho e na finalidade
de assegurar a todos uma justiça digna.
Reza o
art. 149 do Código Penal Brasileiro:“Reduzir alguém à condição análoga a de
escravo, quer submetendo a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer
sujeitando a condições degradantes de trabalho, quer restringindo por qualquer
meio a sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena:
reclusão de 2 a 8 anos e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1°, Nas
mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por
parte do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho. II – Mantém
vigilância ostensiva no local de trabalho, ou se apodera de objetos os
documentos pessoais do trabalhador, com o fim te retê-lo no local de trabalho.
§
2° “A pena é aumentada até a metade se o crime é cometido: I – contra criança
ou adolescente; II – Por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem”.
O tipo
penal atual fala do trabalho forçado e da restrição de locomoção em razão de
dívida, que são as duas hipóteses que já eram defendidas pela redação anterior,
com base na visão clássica e na Convenção 29 da OIT, mas acrescentou dois
aspectos que vão além dos parâmetros mínimos normatizados pela Organização
Internacional do Trabalho, ampliando o eixo de proteção da liberdade para a
dignidade humana, que são jornadas exaustivas e condições degradantes de
trabalho.
Contudo é
possível encontrar uma pessoa em situação análoga a de trabalho escravo, sem
que exista qualquer problema com a sua locomoção, estando em plenas condições
de ir e vir, contudo é importante estar ciente que além do trabalho forçado e a
servidão por dívidas, aquele exercido em condições degradantes ou em jornadas
exaustivas.
A Emenda Constitucional 81, que vem sendo discutida
desde 2001, quando ainda era a PEC 431, alterou, depois de 13 (treze) anos de
idas e vindas pelas Casas do Congresso Nacional, o art. 243 da CF/88,
atualmente com a seguinte redação:
"Art. 243. As propriedades rurais e
urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de
plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão
expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular,
sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Parágrafo
único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho
escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica,
na forma da lei."
A mais recente alteração legislativa incorpora,
finalmente, ao ordenamento brasileiro, a inteligência do Protocolo de Palermo,
sendo inserido pela Lei nº 13.344, de 2016 o art. 149ª no Código Penal
Brasileiro:
Art.
149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou
acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com
a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual.
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e
multa.
§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade
se:
I - o crime for cometido por funcionário público no
exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança,
adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de
parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência
econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício
de emprego, cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do
território nacional.
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